20 de dezembro de 2010

Canteiro


Assobiava num tom sereno com gosto de menta.
Naquela hora as plantas estavam acordando, entrando em perfeita sintonia com o assobio.
Conseguia encontrar pequenos fragmentos numa cor clara cair do céu, fantasiou: Seriam as nuvens caindo?!

Vários fios cortavam a sua rua, cada um com a tarefa exclusiva de levar informações o mais depressa possível. Imediatamente sorriu, pensando que era bom não depender disso para se comunicar com alguém. Ele era esse alguém, com quem podia se comunicar sem uma única palavra, sem um toque e mesmo respondendo com a distância, ela sabia, que poderia encontrá-lo dentro de si.
A cortina azul estava aberta, assim como sua alma. Por ali passava o vento, que fazia voltas e mais voltas pelo seu quarto. Acreditou que era o seu amor que às vezes se escondia nas mais inesperadas pinturas, rostos infantis, fotografias, na água, no aroma, na cor, no sabor, no vento, no quarto, na porta, numa lembrança, em sua vida, em sua alma. E em todos os lugares era possível sentí-lo e vê-lo.
Rodou a maçaneta da porta, ao sentir o forte puxão no outro lado mais uma vez começou a sorrir. Ela sentiu que aquele puxão era dele, que sua criança estava tentando entrar em seu quarto... Rapidamente abriu a porta e deu-se com o nada. Sentiu um vento apressado largar ao ar algumas folhas de papel em branco. Acertou o olhar num ponto fixo, olhava agora para a sua cama, branca como um vestido de noiva, arrumada como um convite, desejável como "Eu vos declaro marido e mulher". Caminhou cansativa pelo quarto, segurou os joelhos com um certo desânimo, seus olhos fitavam a janela  com uma ansiedade avassaladora, como se naquele momento ela deixasse de existir, sucumbindo a própria existência, aos poucos se deixando flutuar numa altura magistral. Começou a chorar, ali mesmo, no alto. Suas lágrimas caíam no chão, transformando o seu quarto num grande jardim, onde ela fazia o papel do céu que deixava chover naquela imensidão de dias incontáveis.
Lágrimas que desciam dos seus olhos, pareciam gotas de chuva escorrendo do seu rosto e caindo no chão do seu quarto, que aos poucos ganhava lindas e deslumbrantes flores. Chorava por não estar ao lado do seu amor, por não dividir um copo de chá no fim da tarde, não poder trocar de meias com ele, não se esconder do frio num abraço, por não sorrir pra ele e esperar que ele retribua o sorriso, por não andar de mãos dadas...
Já estava se sentindo um pouco melhor, terminou o seu antigo percurso, deitou naquele perfumado campo e olhou pro teto, viu que as cores do quarto se alternavam entre o forte e o claro. Olhou pela janela, suas cortinas apareciam em vários tons, olhou pro lugar onde ficava a porta, não conseguia mais encontrá-la. Em pouco tempo esfregou os olhos e viu que ela não estava mais em seu quarto, era num lugar estranhamente familiar. Ouviu risos de crianças do lado de fora, ao seu ouvido se apresentava uma voz que lhe cercaria pela eternidade.

Um comentário:

  1. Lindo, sensível, profundo, sublime. Aliás, noto que uso sempre os mesmos adjetivos para seus textos, mas é isso mesmo o que representam para mim. Sem falar na calma que sempre me transmitem. Gosto de suas descrições, do modo como as faz, deixa tudo real e ao mesmo tempo leve e lírico. E o final desse texto deixou uma abertura para diversas interpretações, o que é sempre interessante. Muita arte.

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