Lembro do encanto de milhares de grãos saindo do papel de parede translúcido, da enxurrada de pequenos soldados caminhando por cima de mim, do contorno infantilizado arranhando a última fileira, dos dedos tocando outros dedos, dos olhos fotografando a lembrança do meu presente passado.
Mamãe faz o café. Mamãe corre lá fora com uma bacia com água quente. Mamãe me chama e eu não ouço. Só quero saber da poeira deixando o recinto, com sorriso de criança mimada que conhece os seus limites, mas adora brincar com água.
Papai estava na guerra. Papai chegava tarde e acordava a família com um sorriso forasteiro. Papai assistia o crescimento dos filhos através de uma parede marcada. O pai que não me chamava de filho, sempre será o homem que comprou uma bicicleta e não me ensinou a usá-la. O homem feito da terra, se desfazendo da vida com apenas um empurrão.
Sonhar era mais do que esperar por previsões e enriquecer a fé, era viver dentro de algo desgovernado. Eu me escondia nos sonhos, enquanto o garoto se escondia no travesseiro e a mãe se escondia na aflição.
Meu coração parava para ouvir gritos misturados ao aroma da culinária local. Isso acontecia quando a fome batia na porta de casa e pessoas saíam pela rua para comemorar a fartura de dias festivos. Nesses dias ficávamos no quarto, com as luzes apagadas, catando sonhos e respirando promessas. Minha mãe dizia que o meu pai era uma estrela, daquelas pequenas, sem experiência, sem brilho, sem nome, mas que um dia ela iria brilhar tanto que, mesmo escondidos no quarto, precisaríamos fechar a cortina para esconder a nossa tristeza.
UAL! UAL! UAL ! ANO NOVO numa ótica de velha guerra, no interior de uma família isolada, que sem um Chefe presente sonha em um dia vê-lo retornando. Muito SHOW, a descrição é bem realista de sentimentos profundos. Texto amadurecido em talhas de pedra. Muito bom, parabéns: Filardi. De WSenhorinho - NI/RJ.
ResponderExcluirMa-ra-vi-lho-so; percebe-se uma facilidade para escrever, associada de um vocabulário/escolha-das-palavras perfeitas, e para finalizar uma história, um drama, um conto perfeito! Genialidade em parágrafos. ;D
ResponderExcluir"O pai, que não me chamava de filho, sempre será o homem que comprou uma bicicleta e não me ensinou a usá-la."
ResponderExcluirEu gostei dessa parte. Meio que sei exatamente como é isso.
Não sei como fazer um comentário deslumbrante sobre o teu texto, mas posso dizer que está lindo e que tranpassa muito sentimento. Impressiono-me com a sua forma de escrever. Parabéns, Filardi. <3
Voltei. Creio que teu vocabulário é tão perfeito - ao meu ver - que acaba me deixando sem palavras para te elogiar, o que torna os meus comentários na maioria das vezes repetitivos.
ResponderExcluirSó vim para dizer que teus textos me passam uma calma incrível. Você sabe como encantar.
E vim para avisar que tem um selo para ti no meu blog: http://cinismoeutopia.blogspot.com/2011/01/este-blog-me-faz-refletir.html.
É uma forma carinhosa de divulgar os blogs que leio e demonstrar minha admiração por eles.
Parabéns, meu bem. <3
Encantada.
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