O próximo inverno

Neste instante, uma bomba explode ao norte e pequenas partes de pequenos corpos voam em todas as direções. Neste instante, lá estou eu, e aqui estou. Naquele instante, armas contra os mesmos rostos inocentes tocando ao lado de outro rosto pueril e nostálgico da vida. Aquelas maçãs apertadas e rosadas ao lado dos olhos contidos e molhados, misturado aos tufões empoeirados da guerra, aos tiros que, pincelam o adeus com tinta cinza, preta e vermelha. Memórias congeladas de uma mente já massacrada pelas idas e vindas do tempo.

Ontem à noite senti o aroma gentil do quarto dos meus pais. Minha mãe sempre carregando seu conjunto de brincos, broches e colares. Meu pai sempre se redimindo, educado, chorando o rastro choroso de suas lágrimas. Sentia o cheiro de ressentimento e de balé sentimental. Quando as dores dançam com as lembranças, doloroso para quem as viveu para vê-las perdidas.

Ando com essa estranha impressão familiar. Como a torneira de acrílico, sempre prestativas. Gosto do marasmo antes da tempestade.

Quando voltei para casa, cerca de quarenta e dois anos atrás e setecentos e quarenta e cinco quilômetros daqui, fui ao armazém ao lado das antigas construções. Esbarrei acidentalmente numa balconista, assustando-a e constrangendo-me. Ela perguntara sobre o tempo que estive fora, não tinha nenhuma memória sobre ela, mas sorri gentilmente e absorvi com paixão e falso contentamento.

Conversamos naquela mesma tarde, tomamos um banco na praça e contamos sobre as melhorias da cidade, sobre o colégio e sobre o tempo que passamos juntos. Lembrara então, olhos quebrados, e o tempo os quebrou ainda mais.

Passamos na velha casa, de maneira que fingimos que não queríamos ressuscitar o nosso primoroso momento. Entregando seus cumprimentos de moça, no ápice da vida interiorana. Desmerecido e satisfeito.

Borboletas apareciam na primazia gestual dos nossos corpos. Estávamos unidos sob forte holofote dos mesmos jovens de anos atrás.