27 de novembro de 2016

Manifesto de dias vazios [1/3]

Eu acordo.
Eu levanto.
Eu saio.
Dias, mais que as manhãs, são como as lacunas infinitamente mais brilhantes, portanto, dias são assim mesmo: comparáveis. 
Dias iguais, gêmeos. Partidos ou não, escarrados, caminhantes. Em alguma estradinha, se encontram. Todos os dias da sua vida se encontrarão um dia. E, finalmente. 

Disseram que eu ficaria só. Estavam todos errados.
Eu estive sim, em algum momento, a sós.
Mas percebi, sob o leigo caminhar, que o amor próprio, tão alardeado, não me deixava quieto.
Eu subi nas mesas do bordel e arregacei as mangas nas obras. Fiz da camaradagem uma insígnia fincada no peito. Eu já fui jovem um dia e já quis o mais brilhante. Todos os dias da sua vida se encontrarão um dia. Do mais ordinário dia ao mais contemplativo, caminhando ou não nos salões ocos da mente inquieta que observa o desabrochar frouxo da vida ou o deboche carnavalesco da despedida. Quem impera em mim é uma fome sem controle pelo artista da obra, pela tinta fresca da gravura, pela confidência trocada entre amantes, pela dança do pavio. O que impera em mim, desde uma infância infeliz, não é o faz-de-conta, como disseram uma vez. Em meus devaneios, na minha tão conhecida busca pela felicidade, não sonhava com a coisa externa. E, portanto, sendo capaz internamente, minha tão fabulosa busca era minha, de mais ninguém.

Julgaram-me errado.

E outra!

Quando te encontrei, as vozes sumiram. Eu já não vivia lá naquela coisa de ninguém, no mundo sem dono de minha autoria. Foi quando consegui, pela primeira vez na vida, viver o presente. Poetas e filósofos falaram sobre isso. Escritores de auto-ajuda enriqueceram falando sobre isso. Dizem residir em você, como envelope nunca aberto com o mesmo remetente e destinatário. Mora nas pessoas. Mora dentro de todo mundo, mas nunca dentro da mesma pessoa. Eu pude amar na mágoa, no ódio, com lama nos olhos que não me permitiram ver, mas sentir. Quando você sente, por mais vazio que seja, estremece a alma frouxa dentro de você. Para a alma, todos os espaços são largos demais. Então, quando alguém te oferecer um abraço, aceite.

Eu tenho medo do escuro ainda.
E nunca desligo a luz da cozinha.
Quando me chamam, eu costumo ouvir.
Mas tenho medo mesmo é de ficar sozinho.
De não te ouvir mais.
E, claro, do escuro.

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