31 de dezembro de 2013

Impermeáveis


O vento caiu nas folhagens secas retidas no canto da janela, em mármore fria lampejante. Os calafrios tomaram-lhe a alma emprestada, enrolando aquele rosto meigo de menina. Seus olhos reviraram, mas pouco viu. Fechou-se, o céu abriu, e com tempestuosa passagem, descolorindo janelas, podou suas auréolas na face dos desajustados pingos para colher os desajustados homens, pequenos em seus afazeres, na pressa para não se molhar.

E muito cedo o olhar severo causava-lhe lágrimas secas. Lágrimas censuradas e derramadas pelo escoamento sinuoso do queixo. Menina fraca, e bela. Posso escoar suas lembranças para a capital do meu ser, sobre o reino que conquistei. Arranca-me os braços finos de dedos minúsculos, do fôlego de ir lá fora e encontrar o escuro. Promete-me olhos maternos, e eu corro até lá. Corro e prometo não te afundar em minha solidão, não te impregnar com minha tirania. Não te encher com minhas histórias, e não fazê-la a inspiração que tanto almejo.

Jogou-se no chão de birra, fez do assoalho poeira. Caíam-lhe súbitos os olhos tingidos sobre espasmos e suspiros corados. Despertavam ali ondas francas de sobriedade, de pura ressaca. Perdeu-se contando os frutos do homem que tanto cultivava. Jogou-se novamente, mas o chão não estava mais lá.

Os fracos ossos desistentes de tantos passos descansaram dormentes. Os fios de volumosas curvas arrebataram os caminhos do vento e lá foram fiar sua estranheza descomunal. Naqueles dias em que a chuva descia salgada e o sol desafinava o canto dos pássaros, ouviam-se os sussurros alegres de Vitória, filha mais velha e pouco atrevida. O sol e seus inúmeros grãos escuros e claros, dormentes e escondidos. O brilho de centenas vontades, de persistentes planos. Sua preocupação forte no rosto, fazendo sombra fraca na parede. Sua pele escura ensejando preocupação. Buzinas arrancam inconfundível admiração dela. O canto florido, lá fora, pouco varrido, quase árido. Cortinas se aglomeram no céu, festa sobre pilastras azuis e tecidos feitos de algodão. Costurados com as pipas rasantes, enfileiradas. Nebulosas camadas de chuva se aglomeram primeiro em uma folha na bica de casa, essas bainhas de eco e combustível para todo coser e pouco fiar. 

O sol rebatendo e respigando, erguendo-se e esgueirando-se, calmo o candelabro vertiginoso de mil e cem navalhas reluzentes fitando o chão. Ela olhou nos meus olhos e me viu sorrir, novamente. Disse coisas que eu queria ouvir, outras que jamais imaginei, enquanto outras só saíam enquanto a luz contornava sua face. Queria aproximar-me dela em palavras, com os toques comuns de um franzir ou de um beijar. Seus olhos intimaram meus gestos infantis, poucos ajustáveis. Desmanchou o rosto nos meus dedos calejados, frios e cansados. Eu a vi escondida entre nós e embaraços. Não desfiz nada.

*Esse será, lamentavelmente, o último texto do Blog. Estarei disposto a uma nova etapa dos meus trabalhos iniciados aqui, e os seus comentários e suporte foram de extrema importância para esse novo passo. Saio do Blog com a intenção de ganhar suas estantes, mas sei que sempre terei vocês aqui, e assim me terão também. Obrigado pela paciência, assiduidade e companheirismo nesses últimos anos. Até mais, leitores. 

2 comentários:

  1. Meu amor, não me abandone. Perdão pelo egoísmo, não nos abandone. Eu fiz do seu blog fonte de inspiração por muitos anos, não posso conceber sua ausência. Por favor, o último não, por favor, desesperadamente, não.

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