Eu fecho tudo. Conversas fiadas, gracejos
tolos, portas encostadas e guilhotinas. E sento vil com acentos e pontos
finais. Eu abro tudo também. Portões imperiais, uma flor despetalada e botões
de blusa de cetim. Eu subo os muros da escola e deixo meus pais preocupados. Eu
escancaro na cara da modéstia um sorriso palhaço em um instante amargo da vida.
Para que não reste dúvida eu sou eu mesmo. O próprio. Não me perturbe.
Estou dividido.
Há em uma, três ou cinco vidas.
Estou perplexo com quem me prometeu escolha.
Não tive. Não tive certezas. Só rabiscos, ocos e lentos. Gravíssimos socorros,
ecos afogados. E saltei por essas agonias, preenchendo os buracos que lá
surgiam, alegremente. Tolo eu fui. E cheio de vida.
Outra vida me pertence. Essa coisa que não é
minha. Eu busquei nos lábios de moça prometida, nos adultérios da prosa, uma
garantia. Só dúvida. Só dúvida. E dívida.
Outra e mais outra até não sobrar nenhuma
das vidas que vivi.
Sabe quem eu sou? Mil e duzentos e vinte e
sete constelações em apenas duas tonalidades. Três mil gravuras ensolaradas na
cortina da sala. Um castiçal azul-marinho sem velas. Uma fileira de
Marias. Eu sou o caos que o vento carrega nas erupções noturnas, eu sou o
distúrbio no fluxo. Eu a faço cair e levantar sem tocar o chão, sem lhe dar as
mãos. Eu sou o peso nas costas e as alças do mundo. Eu, o vasto e miúdo.
Estou contente agora. Ser algo me foi
ordenado. Se tenho algum conselho? Nada de bulas ou peripécias. Os maiores
trapezistas que conheci nunca saltaram. Se tenho outro conselho? O que achas
que sou, uma locomotiva ou um jornaleiro? Honestamente, o que achas que sou?
Que lhe darei algo que eu mesmo tive que buscar?
Pegue um espelho. Está pensando o que me
ocorre agora como pensamento, mas nas falas se reproduz desordeiro? O que vê? É
isso mesmo. Um indagador cretino contracenando com seu reflexo. Eu nunca fui
bom com finais. E me ocorre agora, só agora, só agora...