11 de novembro de 2016

11/11



Saiu dos laços encantos, desatando bruscos pedidos. Escorro corpulento, alargo o sorriso ligeiro, os chuviscos tortos do meu pedágio, e acenos cruzados distribuo sem arredar. E eu, visivelmente impaciente, no balcão, atento.

E ela some. 

Feita luz celestial que paira, toda coroa de rei, sobre nós.

6 de novembro de 2016

Estábulo clandestino

Eu fecho tudo. Conversas fiadas, gracejos tolos, portas encostadas e guilhotinas. E sento vil com acentos e pontos finais. Eu abro tudo também. Portões imperiais, uma flor despetalada e botões de blusa de cetim. Eu subo os muros da escola e deixo meus pais preocupados. Eu escancaro na cara da modéstia um sorriso palhaço em um instante amargo da vida. Para que não reste dúvida eu sou eu mesmo. O próprio. Não me perturbe.

Estou dividido.

Há em uma, três ou cinco vidas.
Estou perplexo com quem me prometeu escolha. Não tive. Não tive certezas. Só rabiscos, ocos e lentos. Gravíssimos socorros, ecos afogados. E saltei por essas agonias, preenchendo os buracos que lá surgiam, alegremente. Tolo eu fui. E cheio de vida.

Outra vida me pertence. Essa coisa que não é minha. Eu busquei nos lábios de moça prometida, nos adultérios da prosa, uma garantia. Só dúvida. Só dúvida. E dívida.

Outra e mais outra até não sobrar nenhuma das vidas que vivi.
Sabe quem eu sou? Mil e duzentos e vinte e sete constelações em apenas duas tonalidades. Três mil gravuras ensolaradas na cortina da sala. Um castiçal azul-marinho sem velas. Uma fileira de Marias. Eu sou o caos que o vento carrega nas erupções noturnas, eu sou o distúrbio no fluxo. Eu a faço cair e levantar sem tocar o chão, sem lhe dar as mãos. Eu sou o peso nas costas e as alças do mundo. Eu, o vasto e miúdo.

Estou contente agora. Ser algo me foi ordenado. Se tenho algum conselho? Nada de bulas ou peripécias. Os maiores trapezistas que conheci nunca saltaram. Se tenho outro conselho? O que achas que sou, uma locomotiva ou um jornaleiro? Honestamente, o que achas que sou? Que lhe darei algo que eu mesmo tive que buscar?

Pegue um espelho. Está pensando o que me ocorre agora como pensamento, mas nas falas se reproduz desordeiro? O que vê? É isso mesmo. Um indagador cretino contracenando com seu reflexo. Eu nunca fui bom com finais. E me ocorre agora, só agora, só agora... 

1 de outubro de 2016

Barbarás

Barbarás vivia atrás do manto, dentro de uma luva de príncipe.
O rei batia os pés e Barbarás tropeçava. O rei subia e Barbarás caía.
E todo o reino sabia que atrás do rei uma sombra surgia, e Barbarás todo elegante, atrás da peruca, sorria.

Seria inédito vê-lo descer e andar entre os vassalos, lhe ocorrendo algo semelhantemente inédito. Mas gostava mesmo é de dormir nos ombros do rei, e sobre a surdina beliscar sua face rosada e se cobrir com suas pálpebras pesadas e quentes. O rei era tudo o que tinha. E se não tinha tudo, decerto o rei o tinha.

Por um instante, adormeceu sobre os sapatinhos pequenos e acordou enrolado nas fivelas. Por longos períodos adormecia e acordava em lugares estranhos. Barbarás não se importava com isso, pois dentro ou fora, caído ou levemente espreguiçado, se orgulhava do tecido nobre que sob ou sobre ele se estirava.

Descobriram também, muito mais tarde, que Barbarás vivia dentro das embarcações descobridoras, dentro de uma pedra meio naufragada, dentro da barba suja de um beberrão.

O homem-sombra.

28 de setembro de 2016

Acabou?

Hoje finalmente aconteceu.
Bem cedo, quando o vi, bobo entre nós, trocamos olhares e eu me distraí.
O vai-e-vem das conversas matinais me deixa enjoado.
Eu o vi sorrindo bem atrás de você. Você tão séria.
O sentimento agora em ruínas, se agarrando nos olhos lúcidos e nos lábios que não se tocam mais. Não se tocam mais para profetizar e se fecharam para beijos, sem mais nem menos. Somos matematicamente três.

Eu o vi nascer e não o repreendi. Com o cordão de nascença preso aos seus pés e suas pequeninas mãos presas aos meus braços, ao som da valsa que se arrastava sem vida, enquanto eu zelava pelo seu sono. Eu grito para que todos possam escutar que eu sou a própria vida. 

Hoje eu vi.
Cambaleando, sem vestimentas, enrolado na cortina vermelha do teatro. E bem atrás de nós, uma fivela e uma corda, um colar. Um pássaro e uma gaiola. Um pai e uma mãe. Um jovem e sua sombra. E todos, bem admirados com o espetáculo, se peguntaram no fim: acabou?



8 de setembro de 2016

Sem regresso

Fico aqui pensando, derrotado: e eu tivesse ido?
Que mal faria ir até lá, me arrastar, me enroscar nos ombros alheios?
Tudo que fica é o mal que fiz a mim mesmo.
Queria ter a chance de novo.
Me arrepender aos poucos e, um passo após o outro, voltar.
Adentar aos berros.
Sem pedir licença.
Será que faria alguma diferença?
Quando voltei notaram:
ido ou não indo,
eu estava exausto.

27 de fevereiro de 2016

Passar ela

Desce de lá,
caída,
estrelada.
O calo frio,
autor febril.

Coroa crespa.
Mimada era.
Menina já.
Corre alegre.
Cabelo laço.
Se arrebenta,
vento leva.

Casinha cipó.
Dona de casa.
O ninho de telhas.

Sete palmas.
Caboclinha de olhos miúdos.
Ele coturno.
Batuque com tudo.

Erguidos.
Gangorra.
Menino fora,
homem dentro.

Abre os trilhos.
Estação.
O vão de acesso,
corre mão.